DANIEL GERBER[1]
 
Nossa Suprema Corte analisa ponto de fundamental relevância para o futuro do processo penal brasileiro, qual seja a possibilidade de revisão das cláusulas de um acordo de delação premiada que seja homologado, ainda que monocraticamente, pelo Juiz.
O primeiro ponto a se destacar sobre o tema é que a colaboração e a negociação com os agentes de persecução é uma realidade que veio para ficar. Não há mais como se posicionar “contra” ou “a favor” deste novo paradigma, pois ele é fenomênico e atualizado com a cultura contemporânea de eficácia dos sistemas (quaisquer sistemas).
O segundo é que, exatamente por ser uma nova realidade, alguns limites do instituto ainda serão testados e debatidos, modificados ou eternizados, e este é momento histórico em que isso ocorre. Estamos vivenciando uma revolução paradigmática que afeta profundamente o processo e nossa cultura social, permeando até mesmo a maneira pela qual iremos encarar nosso vizinho no elevador. Por tal motivo, temos que contribuir com o debate.
Dentro de tal espírito, pode se afirmar que a delação deve obedecer a critérios apriorísticos de existência, eis que somente através da satisfação dos requisitos legais exigidos para sua homologação é que se traça uma expectativa de segurança jurídica quanto à sua validade e utilização.
Até aí, nada de novo. Pelo contrário, a existência de um a priori é essência do princípio da legalidade, onde a norma surge em sentido formal para, somente após o devido preenchimento de seus limites aparentes, permitir debate caso-a-caso, com análise do conteúdo material/oculto de sua aplicação (vide princípio da insignificância como exemplo clássico da norma formal sem conteúdo material).
Mas o a priori, como sua definição indica, não é tudo.
Pelo contrário, o a posteriori, a verificação do caso em concreto após esgotado seu tema, é ainda mais importante, pois legitima o acordo e sua decisão homologatória com o timbre da ciência – refutabilidade da hipótese.
Significa dizer que na delação, exatamente como nas demais normas, o acordo e sua homologação também passam por uma análise a posteriori que, se reveladora de vícios pretéritos, vícios de vontade, ou inutilidade de seu conteúdo (ainda que efetivado no processo), permite sua completa revisão.
No caso da homologação do pacto, por exemplo, não há como se imaginar no sistema processual adotado em nosso país a existência de uma decisão monocrática não sujeita a nenhuma espécie de duplo grau de jurisdição.
Pelo contrário, blindar a decisão judicial contra críticas e possibilidade de reversão via recurso ou ação impugnativa, a pretexto de se conceder ao delator a segurança jurídica por ele procurada, é negar ao delatado este mesmo desejo e direito, pois, sem poder questionar suas cláusulas e efeitos, suportará suas consequências até que prove sua inocência.
Outro exemplo seria o caso de satisfação parcial dos objetivos que levaram ao acordo. Neste cenário, mais uma vez a questão: por qual motivo todos os benefícios contratados com uma determinada expectativa se manteriam hígidos, ainda que tal expectativa não seja alcançada? Não seria o caso do Direito Civil socorrer o problema com a necessária indicação de que o delator assume uma “obrigação de fim”, e não uma “obrigação de meio”? Vale destacar que se o parágrafo 2º do artigo 4º da Lei n. 12.850/13 permite, diante da Relevância da delação, que “o Ministério Público, a qualquer tempo, e o delegado de polícia, nos autos do inquérito policial, com a manifestação do Ministério Público, poderão requerer ou representar ao juiz pela concessão de perdão judicial ao colaborador, ainda que esse benefício não tenha sido previsto na proposta inicial”, parece claro que o inverso é verdadeiro: constatada a Irrelevância da delação, os benefícios não serão usufruídos.
Por tais questões, legítimo afirmar que a homologação do acordo gera uma expectativa de direito, e não o direito adquirido de obtenção dos benefícios. Dar-se ao delator segurança jurídica antes de se verificar a refutabilidade do delatado, ou impedir o recurso sobre uma decisão judicial que homologa acordo que influencia na vida alheia, não é adequado. Ao contrário, o usufruto dos benefícios somente deverão estar sob abrigo da coisa julgada se, ao final dos processos que envolverem o conteúdo delatado, verificar-se a satisfação das cláusulas anteriormente contratadas. Nada mais, nada menos.
 
[1] Advogado Criminalista. Autor, Mestre em Ciências Criminais e Professor convidado nos cursos de pós-graduação em Direito Penal e Processual Penal na UNISINOS, UNIRITTER e IDC. Membro do Conselho Permanente do Instituto Transdisciplinar de Estudos Criminais (ITEC).

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