Daniel Gerber e Marcelo Marcante*
 
O transporte dos produtos no Brasil depende primordialmente do transporte rodoviário. Há poucos investimentos em infraestrutura para aprimorar o escoamento da produção nacional por meio de ferrovias e transporte hidroviário.
Esse problema estrutural é a grande razão para a greve dos caminhoneiros causar tamanhos problemas de desabastecimento em diversas cidades do país. Postos de gasolina estão sem combustível, aeroportos estão com dificuldades para operar e supermercados estão racionando a venda de produtos.

Não se discute a legitimidade dos interesses pleiteados pelo movimento dos caminhoneiros e a necessidade de melhoria de suas condições de trabalho ou redução da carga tributária nos combustíveis. A greve é um direito fundamental dos trabalhadores assegurado no artigo 9º da Constituição Federal. Todavia, não se trata de um direito ilimitado, sendo que as atividades essenciais devem ser mantidas de modo a atender as necessidades inadiáveis da comunidade. A Lei da Greve considera serviços ou atividades essenciais a distribuição de gás e combustíveis, bem como de medicamentos e alimentos.
Os limites devem ser respeitados. A própria Constituição assevera que os abusos cometidos no exercício do direito de greve sujeitam os responsáveis às penas da lei, inclusive criminal. Para tanto, existe a previsão do crime de paralisação de trabalho de interesse coletivo (artigo 201 do Código Penal) que, embora seja considerado de menor potencial ofensivo, reforça a necessidade de manutenção dos serviços e atividades essenciais e inadiáveis da comunidade.
Buscando descredibilizar o movimento, foram as suspeitas lançadas pelo ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann. Ele afirmou que o movimento deverá ser investigado pela Polícia Federal, tendo em vista os indícios da prática de locaute. Segundo ele, existem indícios de uma ‘aliança’ entre caminhoneiros autônomos e empresas de transporte para forçar o governo a reduzir o preço do diesel. O Conselho Administrativo de Defesa Econômica também anunciou que irá instaurar investigações para apurar os indícios de locaute na greve dos caminhoneiros.
Mas o que significa locaute? O artigo 17 da Lei de Greve estabelece que “fica vedada a paralisação das atividades, por iniciativa do empregador, com o objetivo de frustrar negociação ou dificultar o atendimento de reivindicações dos respectivos empregados (locaute)”. Significa dizer que o locaute é uma “greve dos empregadores” que impedem os seus empregados, total ou parcialmente, de laborar com o objetivo de desestabilizar as postulações trabalhistas.
Eventuais indícios de ocorrência de locaute precisam ser investigados pelos órgãos competentes, pois a greve é um direito dos trabalhadores. Porém, independentemente disso, a paralisação completa dos serviços essenciais, por mais legítima que sejam as reivindicações, acarreta a ilegalidade da greve e configura crime contra a organização do trabalho. Isso se justifica para evitar as situações semelhantes como a que estamos enfrentando com o caos estabelecido pelo desabastecimento, colocando muitas cidades em situação de emergência. A defesa de interesses legítimos deve se dar por mecanismos igualmente legítimos, ou seja, os fins não justificam os meios.
*Daniel Gerber é criminalista, professor de Direito Processual e Direito Penal, sócio da Daniel Gerber Advocacia Penal
*Marcelo Marcante é criminalista, professor de Direito Processual e Direito Penal, sócio da Daniel Gerber Advocacia Penal

Deixe um comentário