Autor: Daniel Gerber – Advogado Criminalista, Professor de Direito Penal e Processual Penal.
Conforme noticiado pelos canais midiáticos, o Ministro Barroso está a condicionar a progressão de regime dos condenados no processo do Mensalão ao pagamento da pena de multa. Neste sentido, alega sua Excelência que “o sistema punitivo no Brasil encontra-se desarrumado. E cabe ao Supremo Tribunal Federal, nos limites de sua competência, contribuir para a rearrumação”.
Obviamente concordo com o posicionamento, desde que bem observada a limitação imposta por ele próprio, qual seja“nos limites de sua competência”. Somente em tais margens caberá à nossa Suprema Corte uma parcela do latifúndio da rearrumação do sistema punitivo brasileiro. Nem menos, nem mais.
É de se perguntar, portanto: qual seria o limite jurisdicional? Dizer o Direito, ou criar o Direito?
Obviamente “dizer o Direito” cria a norma (não confundir norma e texto, diria Lênio, Ávila etc). Mas esta não pode ser contrária ao próprio texto do qual emana, sob pena de solapar-se eventual segurança jurídica ao posto de mera utopia. Na decisão do douto Ministro, “dizer” o Direito significou “criar o Direito em contrariedade ao Direito já criado”, e este não pode ser o papel do Judiciário, sob pena de severa infringência ao princípio republicano da separação de poderes.
Explica-se: o parágrafo 4º do artigo 33, do Código Penal, é expresso ao afirmar que “o condenado por crime contra a administração pública terá a progressão de regime de cumprimento da pena condicionada à reparação do dano que causou, ou à devolução do produto do ilícito praticado, com os acréscimos legais”. Ora, se existe previsão expressa daquilo que pode se exigir de um condenado para fins de progressão de regime, não há como aceitar que o Judiciário “legisle” onde não há lacunas, e, pior, em matéria penal, e de forma contrária às garantias individuais consagradas na mesma Constituição que se espera defendida pela Suprema Corte.
O quadro fica ainda mais grave, se observarmos que tal exigência, inexistente e contrária à própria Lei Maior e pactos dos quais o Brasil é signatário – proibição de restrição de liberdade por força de dívidas -, poderá ser aplicada a qualquer um que cometa qualquer delito. Isso porque, não obstante a decisão faça ressalvas quanto ao papel da multa em crimes econômicos, não impôs nenhuma limitação ao alcance daquilo que entendeu ser correto. Em síntese, mais uma vez uma decisão que parece agradar aos anseios Democráticos de igualdade se reverterá em obstáculos à patuleia, que furtando sabonetes em supermercados, restará mofada em regime fechado pela inadimplência derivada de suas próprias vidas.