Dois anos e meio depois da Lei Anticorrupção (Lei 12.846), a presidente Dilma Rousseff editou a medida provisória alterando as regras para negociação, conclusão e eventuais benefícios concedidos por acordos de leniência – instituto que, grosso modo, equivale à delação premiada para empresas.

O texto fortalece a ação da Controladoria Geral da União e do Conselho Administrativo de Defesa Econômica, ao mesmo tempo em que inclui o Ministério Público Federal em um número maior de etapas da negociação e assinatura dos acordos – o texto absorve inclusive parte das 10 medidas de combate à corrupção propostas pelo MPF.

A MP também reduz o potencial de punição que os tribunais de contas podem aplicar às companhias.

A primeira empresa a assinar leniência com o governo em meio a uma investigação passa a ter isenção total da multa, em vez de uma redução de 2/3 como previa a Lei Anticorrupção.

Uma das principais punições administrativas que as empreiteiras visam evitar no âmbito da operação Lava Jato, a proibição de contratar com o poder público, é tratado no mesmo item da Medida Provisória:

“§ 2o O acordo de leniência celebrado pela autoridade administrava I – isentará a pessoa jurídica das sanções previstas no inciso II do caput do art. 6o e das sanções restritivas ao direito de licitar e contratar previstas na Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, e em outras normas que tratam de licitações e contratos;

Segundo o advogado Luciano Godoy, ex-juiz federal e colunista do JOTA, o perdão da multa deve incentivar a assinatura de novos acordos, enquanto a permissão a lenientes continuarem participando de licitações pode impulsionar a atividade econômica.

“Isto é fundamental para o país voltar a crescer, implementando obras de infraestrutura e não desperdiçando a experiências das construtoras nacionais”, afirmou. “O completo perdão da multa no caso de ser a primeira empresa a aderir é muito bom, era uma grande crítica no formato da Lei Anticorrupção. O perdão total da multa para o primeiro a contribuir é um grande incentivo que traz ao instituto uma valorização.”

De acordo com a MP 703, publicada na edição desta segunda-feira (21/12) do Diário Oficial da União, a negociação de acordos de leniência com a advocacia pública também impede que sejam ajuizadas ações para punições mais duras à empresa.

Diz o texto: “§ 11. O acordo de leniência celebrado com a participação das respectivas Advocacias Públicas impede que os entes celebrantes ajuizem ou prossigam com as ações de que tratam o art. 19 desta Lei e o art. 17 da Lei no 8.429, de 2 de junho de 1992, ou de ações de natureza civil”.

E complementa: “§ 12. O acordo de leniência celebrado com a participação da Advocacia Pública e em conjunto com o Ministério Público impede o ajuizamento ou o prosseguimento da ação já ajuizada por qualquer dos legitimados às ações mencionadas no § 11.”

A MP é publicada na reta final dos primeiros Processos Administrativos de Responsabilidade (PAR) abertos pela CGU contra empreiteiras na Lava Jato. Ao mesmo tempo, o Cade pode a qualquer momento fechar novos acordos com empreiteiras, depois de aceitar a colaboração da Camargo Corrêa e da Toyo Setal nas investigações dos dois cartéis da Lava Jato.

O texto impõe uma série de obrigações para as empresas que buscam o benefício da leniência com o poder público. Uma delas prevê a implantação de um programa interno de compliance um tipo de “remédio comportamental” que o Cade já aplicou em processos administrativos. Com o programa, a empresa passa a ter uma estrutura que “fiscaliza” internamente o cumprimento da legislação.

Atuação da CGU, MP e outros órgãos

Uma das alterações imposta pela MP é o momento de notificação ao Ministério Público sobre investigações de responsabilidade administrativa no âmbito da CGU. Após a Lei Anticorrupção, a CGU abriu diversos processos administrativos de responsabilidade (PAR) para apurar ilícitos de empreiteiras – a quase totalidade deles voltada para os casos trazidos à tona pela força-tarefa da Lava Jato.

Até a semana passada, a CGU só informaria o Ministério Público que investigava determinada empresa após concluir o PAR. Previa a lei:

Art. 15. A comissão designada para apuração da responsabilidade de pessoa jurídica, após a conclusão do procedimento administrativo, dará conhecimento ao Ministério Público de sua existência, para apuração de eventuais delitos.

Agora, a MP 703 institui a mudança para que promotores e procuradores sejam informados tão logo se abra o PAR:

Art. 15. A comissão designada para apuração da responsabilidade de pessoa jurídica, após a instauração do processo administrativo, dará conhecimento ao Ministério Público de sua existência, para apuração de eventuais delitos.

Segundo o advogado Tiago Severo, professor da FGV, o texto “parece trazer mais peças que faltam ao quebra cabeças de apuração de atos de corrupção”, como a permissão para que outros órgãos e mesmo prefeitos ou governadores firmem acordos de leniência, por exemplo, e a previsão de atuação conjunta com o Ministério Público.

“Deverá haver uma sintonia entre os órgãos, com o objetivo de deixar claras as regras para se firmar um acordo e o Cade pode ser um bom exemplo a ser seguido”, afirmou. “Caso contrário, o instrumento poderá nascer morto. Além disso, a participação do Ministério Público é decisiva em relação ao trade off entre assinar ou não o acordo.”

A negociação de leniência com um órgão do governo pode, a partir da edição da MP, interromper investigações administrativas em curso:

“Art. 17-A. Os processos administrativos referentes a licitações e contratos em curso em outros órgãos ou entidades que versem sobre o mesmo objeto do acordo de leniência deverão, com a celebração deste, ser sobrestados e, posteriormente, ar- quivados, em caso de cumprimento integral do acordo pela pessoa jurídica.”

O texto estabelece ainda que o acordo poderá ser submetido ao Tribunal de Contas da União, posteriormente, para apuração de danos aos cofres públicos. Mas os tribunais perdem a chance de declarar a inidoneidade das empresas, uma das principais punições que costumavam adotar.

Com a MP, o governo também fica autorizado a celebrar acordos de leniência com mais de uma companhia investigada por ato ilícito. Antes, a previsão da Lei Anticorrupção autorizava a leniência com a primeira empresa interessada. Agora, essa previsão foi revogada.

Participação do MP e outros

A Medida Provisória deixa claro que uma empresa investigada poderá assinar acordo de leniência mesmo depois de iniciados processos judiciais contra ela.

Outra norma introduzida pela MP assinada por Dilma é a previsão de que governadores e mesmo prefeitos podem assinar acordos de leniência com empresas suspeitas de ilícito quando não houver órgãos de controle interno na estrutura do poder público local.

§ 13. Na ausência de órgão de controle interno no Estado, no Distrito Federal ou no Município, o acordo de leniência previsto no caput somente será celebrado pelo chefe do respectivo Poder em conjunto com o Ministério Público.

A MP também trata especificamente de crimes de improbidade e multas aplicadas pelo Cade por infração à ordem econômica:
.”Art. 30. Ressalvada a hipótese de acordo de leniência que expressamente as inclua, a aplicação das sanções previstas nesta Lei não afeta os processos de responsabilização e aplicação de penalidades decorrentes de:

I – ato de improbidade administrativa nos termos da Lei no 8.429, de 1992;

II – atos ilícitos alcançados pela Lei no 8.666, de 1993, ou por outras normas de licitações e contratos da administração pública, inclusive no que se refere ao Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC, instituído pela Lei no 12.462, de 2011; e

III – infrações contra a ordem econômica nos termos da Lei no 12.529, de 2011.” (NR)

Leia a medida provisória 703 na íntegra abaixo:

MEDIDA PROVISÓRIA N- 703, DE 18 DE DEZEMBRO 2015
Altera a Lei no 12.846, de 1o de agosto de 2013, para dispor sobre acordos de leniên- cia.
A PRESIDENTA DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 62 da Constituição, adota a seguinte Medida Provisória, com força de lei:
Art. 1o A Lei no 12.846, de 1o de agosto de 2013, passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 15. A comissão designada para apuração da respon- sabilidade de pessoa jurídica, após a instauração do processo administrativo, dará conhecimento ao Ministério Público de sua existência, para apuração de eventuais delitos.” (NR)
“Art. 16. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Mu- nicípios poderão, no âmbito de suas competências, por meio de seus órgãos de controle interno, de forma isolada ou em conjunto com o Ministério Público ou com a Advocacia Pública, celebrar acordo de leniência com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos e pelos fatos investigados e previstos nesta Lei que colaborem efetivamente com as investigações e com o pro- cesso administrativo, de forma que dessa colaboração resulte:
I – a identificação dos demais envolvidos na infração, quando couber;
II – a obtenção de informações e documentos que com- provem a infração noticiada ou sob investigação;
III – a cooperação da pessoa jurídica com as investigações, em face de sua responsabilidade objetiva; e
IV – o comprometimento da pessoa jurídica na implemen- tação ou na melhoria de mecanismos internos de integridade.
§ 1o ……………………… ……………………………………………………………………………………………
III – a pessoa jurídica, em face de sua responsabilidade ob- jetiva, coopere com as investigações e com o processo admi- nistrativo, comparecendo, sob suas expensas, sempre que so- licitada, a todos os atos processuais, até seu encerramento; e
IV – a pessoa jurídica se comprometa a implementar ou a melhorar os mecanismos internos de integridade, auditoria, in- centivo às denúncias de irregularidades e à aplicação efetiva de código de ética e de conduta.
§ 2o O acordo de leniência celebrado pela autoridade administrativa:
I – isentará a pessoa jurídica das sanções previstas no inciso II do caput do art. 6o e das sanções restritivas ao direito de licitar e contratar previstas na Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, e em outras normas que tratam de licitações e contratos;
II – poderá reduzir a multa prevista no inciso I do caput do art. 6o em até dois terços, não sendo aplicável à pessoa jurídica qualquer outra sanção de natureza pecuniária decorrente das in- frações especificadas no acordo; e
III – no caso de a pessoa jurídica ser a primeira a firmar o acordo de leniência sobre os atos e fatos investigados, a redução poderá chegar até a sua completa remissão, não sendo aplicável à pessoa jurídica qualquer outra sanção de natureza pecuniária de- corrente das infrações especificadas no acordo. ……………………………………………………..
§ 4o O acordo de leniência estipulará as condições neces- sárias para assegurar a efetividade da colaboração e o resultado útil do processo administrativo e quando estipular a obrigato- riedade de reparação do dano poderá conter cláusulas sobre a forma de amortização, que considerem a capacidade econômica da pessoa jurídica. …………………………………………………………………………………………….
§ 9o A formalização da proposta de acordo de leniência suspende o prazo prescricional em relação aos atos e fatos ob- jetos de apuração previstos nesta Lei e sua celebração o in- terrompe. ……………………………………………………………………………………………
§ 11. O acordo de leniência celebrado com a participação das respectivas Advocacias Públicas impede que os entes celebrantes ajuizem ou prossigam com as ações de que tratam o art. 19 desta Lei e o art. 17 da Lei no 8.429, de 2 de junho de 1992, ou de ações de natureza civil.
§ 12. O acordo de leniência celebrado com a participação da Advocacia Pública e em conjunto com o Ministério Público im- pede o ajuizamento ou o prosseguimento da ação já ajuizada por qualquer dos legitimados às ações mencionadas no § 11.
§ 13. Na ausência de órgão de controle interno no Estado, no Distrito Federal ou no Município, o acordo de leniência previsto no caput somente será celebrado pelo chefe do respectivo Poder em conjunto com o Ministério Público.
§ 14. O acordo de leniência depois de assinado será en- caminhado ao respectivo Tribunal de Contas, que poderá, nos termos do inciso II do art. 71 da Constituição Federal, instaurar procedimento administrativo contra a pessoa jurídica celebrante, para apurar prejuízo ao erário, quando entender que o valor constante do acordo não atende o disposto no § 3o.” (NR)
“Art. 17. A administração pública poderá também celebrar acordo de leniência com a pessoa jurídica responsável por atos e fatos investigados previstos em normas de licitações e contratos administrativos com vistas à isenção ou à atenuação das sanções restritivas ou impeditivas ao direito de licitar e contratar.” (NR)
“Art. 17-A. Os processos administrativos referentes a lici- tações e contratos em curso em outros órgãos ou entidades que versem sobre o mesmo objeto do acordo de leniência deverão, com a celebração deste, ser sobrestados e, posteriormente, ar- quivados, em caso de cumprimento integral do acordo pela pes- soa jurídica.” (NR)
“Art. 17-B. Os documentos porventura juntados durante o processo para elaboração do acordo de leniência deverão ser devolvidos à pessoa jurídica quando não ocorrer a celebração do acordo, não permanecendo cópias em poder dos órgãos cele- brantes.” (NR)
“Art. 18. Na esfera administrativa, a responsabilidade da pessoa jurídica não afasta a possibilidade de sua responsabi- lização na esfera judicial, exceto quando expressamente previsto na celebração de acordo de leniência, observado o disposto no § 11, no § 12 e no § 13 do art. 16.” (NR)
“Art. 20. ……………………………………………………………………….
Parágrafo único. A proposta do acordo de leniência poderá ser feita mesmo após eventual ajuizamento das ações cabíveis.” (NR)
“Art. 25 ………………………………………………………………………..
§ 1o Na esfera administrativa ou judicial, a prescrição será interrompida com a instauração de processo que tenha por objeto a apuração da infração.
§ 2o Aplica-se o disposto no caput e no § 1o aos ilícitos pre- vistos em normas de licitações e contratos administrativos.” (NR)
“Art. 29. ………………………………………………………………………
§ 1o Os acordos de leniência celebrados pelos órgãos de controle interno da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios contarão com a colaboração dos órgãos a que se refere o caput quando os atos e fatos apurados acarretarem si- multaneamente a infração ali prevista.
.§ 2o Se não houver concurso material entre a infração pre- vista no caput e os ilícitos contemplados nesta Lei, a com- petência e o procedimento para celebração de acordos de le- niência observarão o previsto na Lei no 12.529, de 30 de no- vembro de 2011, e a referida celebração contará com a par- ticipação do Ministério Público.” (NR)
.”Art. 30. Ressalvada a hipótese de acordo de leniência que expressamente as inclua, a aplicação das sanções previstas nesta Lei não afeta os processos de responsabilização e aplicação de penalidades decorrentes de:
I – ato de improbidade administrativa nos termos da Lei no 8.429, de 1992;
II – atos ilícitos alcançados pela Lei no 8.666, de 1993, ou por outras normas de licitações e contratos da administração pública, inclusive no que se refere ao Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC, instituído pela Lei no 12.462, de 2011; e
III – infrações contra a ordem econômica nos termos da Lei no 12.529, de 2011.” (NR)
Art. 2o Ficam revogados:
I – o § 1o do art. 17 da Lei no 8.429, de 2 de junho de1992; e
II – o inciso I do § 1o do art. 16 da Lei no 12.846, de 1o de agosto de 2013.
Art. 3o Esta Medida Provisória entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 18 de dezembro de 2015; 194o da Independência e 127o da República.

Fonte: Jota