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A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, na última quarta-feira (6/7), aprovou um projeto de lei que proíbe o uso da tese da legítima defesa da honra como argumento para a absolvição de acusados de feminicídio, além de vetar a aplicação de atenuantes em casos de violência doméstica. A proposta, no entanto, gerou divergências entre criminalistas.
Juliana Bignardi Tempestini, advogada criminalista do Bialski Advogados, diz que “o acerto desta futura mudança legislativa é incontestável e merece aplauso da comunidade jurídica, em especial na atualidade, quando se busca, por diversos meios, inclusive pela recente edição de leis, combater a violência de gênero contra a mulher”.
Para ela, “esta nova medida não só é necessária, como fundamental, justamente para a garantia dos direitos individuais e da defesa aos valores e princípios assegurados por nossa Constituição Federal, como os princípios da dignidade, da igualdade, da vida e da proibição à discriminação”.
“O uso de tal tese para justificar o injustificável perpetua uma crença estruturalmente machista, de herança histórica, que considera a mulher como inferior em direitos e mera propriedade do homem”, afirma a advogada.
Tempestini lembra que o novo PL caminha de acordo com precedente do Supremo Tribunal Federal. A corte, em março do último ano, considerou inconstitucional a tese da legítima defesa da honra em casos de feminicídio.
“Segundo os ministros, a tese não tem base jurídica e viola garantias fundamentais, como os princípios da dignidade da pessoa humana, da proteção à vida e da igualdade de gênero”, explica André Damiani, criminalista e sócio fundador do escritório Damiani Sociedade de Advogados. “Caso aprovado, o texto trará maior segurança jurídica, uma vez que transformará em lei um entendimento jurisprudencial”.
Cecilia Mello, sócia do escritório Cecilia Mello Advogados e desembargadora aposentada do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, ressalta que a tese da legítima defesa da honra sempre esteve “inserida em um contexto social permissivo de violência contra a mulher, em que a dignidade machista do homem serviu de valor moral de grandeza tal que, quando afrontado, chegava a justificar a morte da ‘ofensora’, no caso a mulher”.
Segundo ela, “elevou-se essa honra machista ao patamar de bem jurídico protegido pelo Direito em contraposição à vida da mulher, como se ambos pudessem ser colocados no mesmo patamar de importância. Pior, como se a honra machista pudesse se sobrepor à vida da mulher”.
Cecília considera que a legítima defesa da honra é “nefasta, anacrônica e representa afronta ao direito à vida”. De acordo com ela, “a segurança jurídica — tão almejada nessa matéria — somente poderá ser atingida com o seu regramento por lei”.
Ela ainda alerta que a vedação legal à tese “não impede, por si só, que um corpo de jurados, em uma sociedade estruturalmente machista, prossiga conferindo impunidade aos casos de feminicídios”.
Críticas
Por outro lado, o criminalista Daniel Gerber, especialista em Direito Penal Econômico e mestre em Ciências Criminais, sócio do Daniel Gerber Advogados, considera que o Senado não poderia aprovar uma lei que restringe uma garantia constitucional:
“Na Constituição, há a plenitude de defesa para o Tribunal do Júri, que é algo muito maior do que a ampla defesa vigente nos demais ritos. Então, ainda que eu concorde com o teor, com o mérito da questão posta, o fato é que essa restrição é absolutamente ilegal”, destaca.
O criminalista Rodrigo Faucz, coordenador da pós-graduação em Tribunal do Júri do Curso CEI, professor de Processo Penal da FAE e do programa de mestrado em Psicologia Forense da UTP, avalia que o projeto de lei “surfa na onda eleitoreira do punitivismo”, como se o aumento de pena e o recrudescimento da legislação tivessem alguma relação com a prevenção de crimes.
“Comprovadamente não existe qualquer relação. Em matéria penal, infelizmente, o legislador há anos escolhe o caminho mais popular, mas absolutamente ineficaz. É mais fácil aumentar a punição do que desenvolver políticas públicas afirmativas estruturais de conscientização e igualdade de gênero”, analisa.
No entanto, Lucie Antabi, criminalista no Damiani Sociedade de Advogados, discorda da interpretação: “Apesar das contra-argumentações de que no rito especial do Tribunal do Júri deva prevalecer a plenitude de defesa, não há como permitir a utilização de uma tese arcaica e misógina. O projeto de lei é mais um passo no caminho da igualdade de gênero, de uma sociedade justa que efetivamente defenda o direito à vida”.
Publicado em Consultor Jurídico (https://www.conjur.com.br/2022-jul-10/veto-legitima-defesa-honra-opoe-garantias-constitucionais)