Um dos trends que mais repercutiu nas redes sociais, esta semana, foi a condenação do humorista Danilo Gentili por crimes contra a honra da deputada Maria do Rosário.

Não sem motivo. Em um país assolado por discursos de ódio proferidos por parlamentares, e onde uma esquerda repressiva faz questão de não economizar adjetivos contra “imperialistas”, “entreguistas”, “golpistas” e todos os “istas” mais que possamos imaginar, causa espanto que um humorista seja condenado por fazer humor, ainda que de cunho politicamente incorreto – como se existisse humor politicamente correto, inclusive.

Ultrapassada essa questão, assim como passadas as denúncias que esse mesmo humorista já cansou de fazer quanto ao fato de que “zoa” todos, mas só é processado pelos esquerdistas, vale uma reflexão de matiz constitucional. Afinal, crimes contra a honra descritos no Código Penal foram recepcionados pela Constituição Federal? A resposta é não.

Como destaca o professor Ives Gandra: Sempre que uma ordem constitucional é alterada, a legislação produzida sob a ordem jurídica anterior é admitida como recepcionada, desde que não conflitante. A natureza jurídica da recepção tem merecido reflexão acadêmica com concepções diversas sobre o perfil desta continuidade. O debate polêmico não altera a consequência fática da desnecessidade de reiteração legislativa.

Dentro deste viés constitucional de legitimação e aplicação das normas penais, vale destacar que o artigo 5 da Carta impõe o respeito aos Direitos Individuais. O inciso IV prevê que “é livre a manifestação de pensamento (…)”. O inciso IX diz que “é livre a manifestação da atividade intelectual (…), e de comunicação, independentemente de censura”.

E, ao mesmo tempo em que garante tais liberdades, estipula as penas para quem delas se valer para ofensa a terceiros, deixando expresso em seu inciso V o direito de resposta e indenização por danos materiais e morais a quem for agravado, punição essa repetida em seu inciso X, quando fala do direito à intimidade.

Ora, se a Constituição previu expressamente a liberdade discursiva e a pena para quem nela se exceder, e se a punição prevista pela mesma Lei Maior é exclusivamente econômica – indenização por danos morais ou materiais -, parece óbvio que a resposta do Código Penal de 1984, criminalizando o uso da palavra, não foi recepcionada.

Tal conclusão também parece a mais acertada quando observado o desnecessário inchaço e a consequente ineficiência do sistema penal contemporâneo, assim como estrangulamento da capacidade do Poder Judiciário em dar vazão às demandadas que recebe diariamente. Sob tal aspecto, que a Justiça criminal se encarregue de crimes mais graves – e não de bate-boca com pessoas que se ofendem verbalmente – nada mais é do que uma pitada do bom senso necessário para que estejamos falando sério sobre o verdadeiro papel do sistema criminal.

Boa sorte, portanto, aos advogados de Gentili. E que levem esse debate até a Suprema Corte, questionando a matéria aqui analisada e, quem sabe, fazendo da piada de mal gosto de se condenar um humorista, um divisor de águas na jurisprudência sobre o tema.

*Daniel Gerber é advogado, professor de Direito Penal e Processual Penal e sócio da Thinking Blue, empresa de Conciliação e Consenso

Fonte: Estadão