Publicado na Revista Consultor Jurídico .
O Supremo Tribunal Federal começou a julgar nesta quarta-feira (11/12) se é crime de apropriação indébita tributária o não pagamento de ICMS, ainda que o imposto tenha sido declarado aos fiscos estaduais. O relator ministro Luís Roberto Barroso se posicionou a favor de criminalizar.
Segundo a maior parte dos especialistas consultados pela ConJur, o não recolhimento não pode ser equiparado a uma ação criminal, ficando, assim, passível de sanção penal.
“O crime é não declarar o tributo mediante fraude. O não pagamento é ilícito administrativo, e o contribuinte tem a oportunidade de se acertar com o Fisco antes da ação penal. Considerar esse fato como crime tributário é usar do direito penal para coagir ao pagamento, uma espécie de ameaça de prisão por dívida”, avalia João Paulo Martinelli, criminalista, professor da pós-graduação da Escola de Direito do Brasil.
Daniel Gerber, criminalista, mestre em Direito Penal e Processual Penal, concorda com Martinelli. “Em hipótese alguma o não recolhimento de um tributo devidamente declarado poderia se equiparar a uma ação criminosa. Independentemente dos motivos do agente, o fato é que ele não sonegou informações. Ao proceder assim, forneceu ao Estado todos os subsídios necessários para a resolução do conflito em esfera própria — seja através de conciliação fiscal, seja através de processo judicial”, analisa.
Segundo ele, “confundir dívida não paga com ato delituoso é desprezar o grau de lesividade exigido pelo Estado para que, pelo menos em hipótese, possa cercear a liberdade de um cidadão”. Segundo Gerber, se fosse assim, os próprios programas de parcelamento (Refis) seriam considerados impróprios.
“Por meio deles o Estado estaria assumindo, inequivocamente, que o delito estaria no débito e não na conduta praticada. A criminalização de condutas típicas do direito fiscal e tributário é retrocesso profundo, obedece a uma lógica ineficiente de arrecadação e coloca o poder público como inimigo do empresário — justo quem, através de sua empresa, gera trabalho, renda e impostos”, diz.
Para Vera Chemim, advogada constitucionalista, o fato de o contribuinte não ter pago o tributo anteriormente declarado não configura um crime de sonegação fiscal e, por consequência, não é passível de sanção penal.
“No máximo, aquele contribuinte terá que arcar com as sanções de caráter tributário, uma vez que o não pagamento do tributo se transformará em uma dívida fiscal. Nesse caso, aquela dívida acarretará a execução fiscal nos termos da Lei nº 6.830/1980. Remeter esse tipo de dívida para o Direito Penal, sob pena de o contribuinte ser preso por alegação de crime de sonegação, significa afrontar o inciso LXVII, do artigo 5º, da Constituição Federal de 1988, cuja redação proíbe a prisão civil por dívida, salvo algumas exceções que não se aplicam neste caso”, explica.
Mas, por outro lado, diz ela, “ao não pagar o tributo devido ao Fisco, esse contribuinte acaba se beneficiando em relação aos demais empresários, ferindo o princípio constitucional da concorrência desleal”.
De acordo com Renato Vilela Faria, sócio do Peixoto & Cury Advogados, “após décadas de jurisprudência pacífica sobre o tema, o STF terá a oportunidade de cravar o entendimento sobre se há diferença entre inadimplência e sonegação, o que não é necessariamente uma tarefa simples”.
Ele diz que a decisão irá impactar milhares de empresários. “O compliance tributário das empresas estará em jogo, já que o caso que deu origem ao tema, há um ano e meio, foi a hipótese em que o contribuinte declarou o ICMS, mas não o recolheu. É o famoso devo não nego, pago quando puder. A análise se há ou se houve sonegação envolve o exame caso a caso”.
Daniel Bialski, criminalista especializado em Direito Penal e Processual Penal, afirma que na ótica da defesa, conforme a doutrina coloca, “o crime não é deixar de pagar e sim deixar de declarar”.
“Existem muitas empresas que, por conta da situação econômica do Brasil, não conseguem quitar todos os impostos e os salários dos empregados. Então, declaram que de fato devem este dinheiro e tentam pagar uma parcela dentro do que é possível na mensalidade. Portanto, a atitude de declarar isenta completamente o dolo. Isso porque evidencia que de fato a empresa não quer lesar o Fisco. Pelo contrário, reconhece que tem uma dívida com o Fisco e que não consegue pagá-la”, diz.
Já para Filipe Richter, sócio da área tributária do Veirano Advogados, se o STF não considerar crime a dívida de ICMS declarado, “as coisas continuam como estão, com o Estado se utilizando de instrumentos legais, diversos para penalizar e cobrar o tributo do contribuinte (multa, juros, protesto, inclusão no CADIN, negativa de CND, pedido de penhora online e diversas outras sanções políticas, algumas delas inclusive inconstitucionais”.
Ainda de acordo com ele, caso seja considerado crime, “o Supremo terá aplicado indevidamente o direito penal para um tema eminentemente tributário. “Além disso, terá legislado, já que inexiste o tipo penal. A falta de pagamento de imposto declarado não pressupõe automaticamente fraude, omissão ou falsidade nas informações prestadas.”
Fonte: Revista Consultor Jurídico