Centro da discussão no imbróglio que envolveu Flávio Bolsonaro e seu ex-motorista Fabrício Queiroz em um suposto esquema de laranjas na Alerj, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) virou a menina dos olhos do ministro da Justiça, SErgio Moro.

O ex-juiz puxou o órgão para sua pasta logo nos primeiros dias como titular da Justiça — antes, o Coaf estava sob o guarda-chuva do Ministério da Fazenda (agora, da Economia).  

O Congresso está debatendo se o Coaf deve ficar mesmo com Moro, que deseja reforçar os quadros da autarquia no intuito de combater a corrupção. O presidente Jair Bolsonaro já admitiu negociar a retirada do órgão das mãos de Moro como um aceno à classe política.

A avaliação dos parlamentares é que, ao incorporar o Coaf, o ministério chefiado por Moro ficou muito poderoso. Investigados na Operação Lava Jato e até alguns defensores da força-tarefa pensam o mesmo. 

Nas redes sociais, Moro tem defendido que o Coaf deve continuar na Justiça. “Há discussão no Congresso para ele voltar para a Economia. Respeitosamente, não é o melhor. O ministro (Paulo) Guedes não quer. Qualquer decisão será, por óbvio, respeitada, mas estamos conversando com os parlamentares para mantê-lo. No combate ao crime, integração é a chave”, disse. 

Afinal, o Coaf — um órgão estritamente técnico e que possui como missão produzir inteligência financeira contra a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo — deve ficar com Moro ou com Paulo Guedes? Consultamos dois advogados criminalistas, com opiniões dissonantes, para debater a questão.  

CONRADO GONTIJO

Conrado Gontijo Foto: Divulgação
Conrado Gontijo Foto: Divulgação

Levar o Coaf para a Justiça não tem o condão de aprimorar o combate à corrupção 

O que fez e o que faz: Advogado criminalista, doutor em Direito Penal pela USP, professor de Direito 

O COAF foi criado pela Lei nº 9.613/98, que dispõe sobre o crime de lavagem de dinheiro na ordem jurídica brasileira. Trata-se de órgão importante na identificação de operações financeiras suspeitas, as quais, por suas características atípicas, podem ser indicadoras da movimentação de recursos ilícitos. 

Por mais de 20 anos, o Coaf esteve vinculado ao Ministério da Fazenda (atual Ministério da Economia) e produziu relatórios que subsidiaram diversas investigações criminais. Após a posse do presidente Jair Bolsonaro, dentre as diversas medidas adotadas sob o pretexto de aprimorar o combate à corrupção, e sob a perspectiva da eficácia, totalmente inócuas, houve a transposição do Coaf ao Ministério da Justiça. Com isso, o órgão passou a ser vinculado ao ministro Sergio Moro, responsável, inclusive, pela nomeação de seus integrantes.  

Tal medida, contudo, não tem o condão de aprimorar o combate à corrupção. Prova disso é que investigações sobre operações suspeitas identificadas pelo próprio Coaf não tramitam com a celeridade devida.  

Mais importante que promover alterações no funcionamento das instituições incumbidas das investigações criminais e na própria legislação penal e processual penal, com o fim de levar à população a falsa impressão de que algo tem sido feito para o tratamento dos casos de corrupção, é fazer com que tais instituições, independentemente do ministério ao qual estão vinculadas, funcionem com independência e, é imprescindível, com estrito respeito aos direitos e garantias fundamentais.

DANIEL GERBER

Daniel Gerber Foto: Divulgação
Daniel Gerber Foto: Divulgação

Se o Coaf foi criado para o exame e identificação de atividades ilícitas, deve ficar na Justiça 

O que fez e o que faz: criminalista e professor de Direito Penal e Processual Penal 

O Coaf foi criado em 1998 para a repressão dos delitos de lavagem de dinheiro e terrorismo. O órgão foi vinculado, inicialmente, ao Ministério da Fazenda – que trata da formulação e execução de políticas econômicas e desenvolvimentistas. 

Ora, se foi criado para o exame e identificação de ocorrências suspeitas de atividades ilícitas voltadas aos crimes já mencionados, e se em nada auxilia na formulação de políticas econômicas, fica fácil constatar que sua alocação junto ao aludido Ministério da Fazenda foi um equívoco finalmente corrigido pela edição da Medida Provisória 870/2019. Agora, o Coaf passa a ter suas atividades submetidas ao Ministério da Justiça. 

Causou espanto, na época, que um conselho nascido com competência investigativa para ilícitos de natureza penal se submetesse a qualquer outro ministério que não o da Justiça. Hoje, causa espanto que, por questões derivadas de política criminal, inúmeras sejam as vozes contra a mudança de pasta. 

Sob o comando da Justiça, o Coaf sofrerá maiores interferências políticas. Isso, por si só, é o esperado de órgãos de repressão ao crime. É natural que o Ministério da Justiça exerça interferência nos órgãos que instrumentalizam sua função. 

Com a saída da pasta fazendária, finalmente se dá ao Coaf uma verdadeira possibilidade de servir como instrumento para as atividades que justificam sua existência. A discordância com a política criminal não pode deslegitimar a mudança. 

Fonte: Epoca