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Por Rafa Santos

O Provimento 205/2021 do Conselho Federal da OAB regulamenta postagens que possam ser classificadas como “ostentação” de um estilo de vida luxuoso ou posses de artigos de luxo por parte de advogados e advogadas. Diz o texto em seu artigo 6º:

Fica vedada em qualquer publicidade a ostentação de bens relativos ao exercício ou não da profissão, como uso de veículos, viagens, hospedagens e bens de consumo, bem como a menção à promessa de resultados ou a utilização de casos concretos para oferta de atuação profissional.

A medida foi objeto de muitas críticas por parte da comunidade jurídica e gerou debate que opõe a liberdade individual dos advogados e a liturgia que muitos enxergam como primordial para profissão.

Também gerou, ao menos até este momento, uma ação judicial. O advogado Onivaldo Freitas Jr. acionou o Judiciário contra a normativa que, segundo ele, veta postagens de situação de sua vida pessoal e familiar. “Referido provimento especificadamente em seu artigo 6º, parágrafo único em literal censura velada fere espartanamente de morte direito personalíssimo, constitucional, outros”, diz trecho da inicial.

O juiz Cristiano Miranda de Santana, da 5ª vara Federal Cível da do Distrito Federal, determinou que o Conselho Federal da OAB seja citado para que conteste a ação.

Para o jurista Lenio Streck, colunista da ConJur, o provimento contra a ostentação inicialmente cumpre o papel da OAB de regulamentar o exercício da profissão, contudo, ele pondera que a temática não é tão simples. “Claro que sempre temos o problema de definir o conceito. Todavia, se não sabemos bem o que é, sabemos o que é regular, prudente, discreto. Não se pode permitir é que alguns escritórios grandes se utilizem desse tipo de publicidade por conta do poder econômico. Os advogados de escritórios pequenos, os artesanais, os do longínquo interior, não têm condições de competir. Classes sociais e políticas excludentes na profissão? Já não basta ao advogado ter de matar dois leões por dia e atravessar um fosso de jacarés e desviar de antas todos os dias? Cruz credo”, ironiza.

Muito mais crítico ao provimento, o advogado Nelson Wilians, diz que a norma restringe ainda mais  atuação dos advogados nas redes sociais. “Até agora não entendo a razão para o Conselho de Ética não revogar o famigerado artigo 6, do provimento 205/2021 — que disciplina, em síntese, a publicidade e o marketing jurídico —, diante da ampla repercussão negativa. Enquetes promovidas nas redes sociais apontam que aproximadamente mais de 85% dos advogados consultados posicionaram-se expressamente contra essa invasão à suas vidas privadas”, cita.

Ele argumenta que a medida trafega na contramão da era digital e tem potencial para apequenar a instituição que representa os advogados. “O provimento, em tese, afronta direitos e garantias fundamentais, verdadeiras cláusulas pétreas de nossa Constituição, como a liberdade de manifestação do pensamento (artigo 5º, inciso IV), a liberdade de comunicação, independentemente de censura ou licença (artigo 5º, inciso IX; artigo 220, caput, e §2º), e, sobretudo, a inviolabilidade da intimidade e da vida privada (artigo 5º, inc. X)”, diz.

Wilians faz a ressalva de que a ostentação por si só é uma tolice, mas acredita que a competência profissional não pode ser nivelada à força. “Aquilo que mostro em minhas redes sociais é resultado de muito suor, planejamento e profissionalismo. Mas, sobretudo, resultado da minha paixão pela advocacia”, sustenta.

Interpretações distintas

Renato de Mello Almada, sócio de Chiarottino e Nicoletti Advogados, que foi membro do TED/OAB-SP no período de 2013 a 2020, afirma que existe uma má interpretação do provimento. “A vedação em relação à ostentação diz respeito apenas ao exercício profissional. Em um passado recente, não foram poucas as vezes que nos deparamos com verdadeiras produções cinematográficas de advogados, que utilizando vídeos em postagens nas redes sociais, se apresentavam em luxuosos edifícios e adentrando em cobiçados veículos. Isso destoa da publicidade que deve permear a atividade da advocacia”, afirma.

Almada sustenta que postagens que podem ser enquadradas como ostentação visam demonstrar sucesso na profissão e com isso angariar mais clientes. Segundo ele, a seriedade da advocacia não pode estar atrelada a esse tipo de publicidade e é isso que o provimento busca evitar.

criminalista Daniel Gerber se mostra contrário a vedação da ostentação. “Sem a menor sombra de dúvidas a OAB ainda que com boas intenções atua em sentido contrário à liberdade de expressão prevista na Constituição. Ostentar nada mais é do que dar vazão à sua personalidade e é também um conceito absolutamente subjetivo. Enquanto para alguns a foto de uma praia deserta é uma ostentação, para outros é um avião particular ou um veículo. Enfim, a OAB se equivoca nesta regulação”, comenta.

Outro que é crítico ao provimento é o advogado Joaquim Pedro de Medeiros Rodrigues. “De acordo com a nova regulamentação, mesmo em sua vida privada, a advocacia deve se abster de postar fotos e vídeos que sejam ‘ostentação’. Em um momento que a advocacia mais que nunca vem se empobrecendo, em vez de se preocupar em dar suporte à advocacia, especialmente aos jovens, o Conselho Federal preferiu um caminho para a punição”, argumenta.

Publicado em Direito News (https://www.direitonews.com.br/2021/10/provimento-ostentacao-debate-liberdade-liturgia-advocacia.html)